author image by naroga | 0 Comments | 2023-10-06

Em algum momento de 2022 iniciamos o projeto Aluanda. Eu não saberia dizer direito o que seria considerado um “marco inicial” para este jogo, então fica difícil dizer quando foi exatamente que começamos. Depois de boas duas décadas fermentando algumas ideias na cabeça e trocando vontades, falando sobre o que gostaríamos de ver nos jogos que jogamos, decidimos parar de conversar a respeito e começar a elaborar e executar um projeto de desenvolvimento do nosso jogo-sonho.

Tínhamos, naquele momento inicial, uma noção vaga do que gostaríamos de fazer. E, infelizmente, o que a gente realmente queria fazer era exatamente aquilo que todo mundo dizia que não deveríamos tentar: um MMORPG, open-world.

Vamos lá: eu sou um desenvolvedor experiente. Carrego comigo bons 20 anos de estrada, e já trabalhei com um monte de coisas diferentes. Web, desktop, mobile, infraestrutura, devops, gestão de equipes. E tenho um tanto razoável de experiência empreendendo também. Apesar de me faltar uma experiência hands-on com desenvolvimento de jogos multiplayer, leio muito a respeito e tenho uma boa ideia de quão complexo (e caro) um projeto de MMO é.

E aí, em 2022, a Epic Games anunciava a Unreal Engine 5. À medida que eu ia lendo a respeito, assistindo aos vídeos da GDC, minha esperança ia crescendo. Afinal de contas, havia uma aposta a ser feita ali. A aposta de que, pela primeira vez na história do mundo, um pequeno estúdio indie poderia ter à sua disposição um conjunto de ferramentas suficientemente sofisticadas para que um projeto dessa magnitude pudesse ser executado do começo ao fim. Todo mundo falava a respeito, mas alguém precisava tentar. E nós estávamos dispostos. Afinal de contas, se o projeto era ambicioso demais, precisávamos começar o quanto antes. Nas nossas cabeças, terminaríamos o sonho nem que isso levasse outros 20 anos. E, se no caminho percebêssemos que a ideia original era ambiciosa demais para ser possível, poderíamos sempre pivotar para um título de menor escopo, menos ambicioso. Reaproveitaríamos muito da arte, do lore, da mitologia, das histórias e contos. E de algumas das mecânicas de gameplay também. De qualquer forma, seria um passo na direção do sonho. Melhor tentar e falhar do que passar a vida amargurando uma desistência, né?

Começamos a escrever. Bogdana, meu irmão mais novo e cofundador da GPG, se encarregou de trabalhar no roteiro, construindo uma história, uma mitologia, uma ambientação épica para o jogo. Definimos alguns personagens, uma estrutura básica para a narrativa, alguns elementos de fantasia que seriam os pilares do nosso jogo e ele começou a escrever. E escrever muito. Bog começou a montar uma história de fantasia espetacular, uma que vamos introduzir em um post próprio. Enquanto isso, eu começava a experimentar com técnicas de gameplay e estudar a engine. Eu trabalhei por alguns anos como gamedev em uma empresa aqui do Brasil, e lá nós usávamos a Unity. Achei que a adaptação para a Unreal Engine seria rápida e indolor. Meu amigo, como eu estava enganado…

Adaptar da Unity para a Unreal envolve muito mais do que aprender uma interface nova e uma API nova, em uma nova sintaxe. A Unreal Engine é, afinal, muito mais que uma engine: tem todo um framework de gameplay implementado dentro dela. E é um framework grande, mal-documentado e com particularidades que a gente só aprende batendo a cabeça na parede, conversando com outros devs mais experientes ou lendo o source da engine. Mas cara, como é um framework completo e bem pensado.

Nesse ponto, esse jogo já havia virado minha ideia fixa. Eu tinha um day-job, então esse jogo acontecia em pequenas explosões, nos intervalos, nas noites, finais de semana e feriados em que eu não tivesse algum compromisso pessoal. Mas ele já consumia minha mente praticamente o dia inteiro, todos os dias.

Tomamos algumas decisões: seria um jogo de RPG. Mundo aberto – afinal, a UE5 trazia o novo conceito de World Partition, que permitia a criação de um mundo insanamente grande sem que fosse necessário preocupar com técnicas complexas de level streaming. Iríamos tentar introduzir multiplayer logo de cara, nem que fosse pra colocar um coop multiplayer p2p. Já tínhamos que começar a aprender as particularidades das técnicas de replicação de estado entre vários clients, as técnicas de previsão interpolada, de rollback e tantas outras. Queríamos começar a explorar com sistemas de chat online e, principalmente, queríamos construir um gameplay que fosse potencializado pela interação de vários jogadores. Esse primeiro título seria a fundação daquilo que se tornaria um MMO eventualmente.

O jogo traria uma visão top-down. Jogamos muito tibia quando éramos mais novos, e eu me recordo muito bem do quão mágico foi explorar aquele mundo vendo meu personagem de cima. Queríamos, claro, um gráfico muito mais… moderno, em 3D e realista. E queríamos combates emocionantes, algo que pudesse lembrar títulos do gênero MOBA. Uma trilha sonora original era essencial para potencializar as emoções e experiências que queríamos passar.

Continuamos escrevendo e aprendendo. 

Em meados de 2022, Frantz se juntou à equipe. Frantz era programador iniciante, mas artista experiente. Ele havia estudado Artes e Design com Bog na UFJF, e já tinha experiência com Autodesk Maya. Ele entrou pra ajudar com programação, mas acabou se tornando um jack of all trades. Seu conhecimento em modelagem 3D e programação o colocavam numa posição única para se tornar nosso Lead Technical Artist, e ele aprendeu mais do que rápido como desenvolver shaders na Unreal. Desde que entrou, ele passa seus dias construindo modelos detalhados (mas bem otimizados), com materiais ricos, detalhados e realistas. 

Continuamos a pré-produção do jogo. Brincávamos eventualmente na Unreal Engine, mas a maior parte do trabalho ainda era estudar, aprender, escrever e documentar. E aí, no começo de 2023, Renault se juntou à equipe.

Renault estudou comigo no ensino médio. Desde então, somos grandes amigos. E Renault já havia sido meu sócio, há muito tempo atrás, na minha primeira empresa. Na GPG, nós começávamos a ficar mais confiantes na nossa técnica para começar a entrar em uma fase de produção – começar a programar mesmo o jogo, montar os ambientes e ver como tudo se encaixava. Faltava ainda ver se seríamos capazes de materializar nossas intenções, de tirar as ideias do papel e colocar num universo 3D. E Renault entrou pra ajudar a gente em um ponto dolorido: grana. Não tínhamos nenhuma fonte de dinheiro. Mas o Governo do Brasil tem programas de incentivo à cultura, e jogos eletrônicos são uma adição recente a essa categoria. Precisávamos começar a descobrir onde conseguir esse dinheiro, pra depois tentar aprender como conseguir essa grana. Encontramos algumas potenciais fontes de captação e começamos a escrever os projetos para captação.

No primeiro edital que participamos, promovido pela Secretaria de Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte/MG, pulamos de cabeça. Comecei a participar de vários grupos de whatsapp de artistas de BH, entrei em vários e vários servidores de Discord sobre o assunto e participamos de alguns eventos presenciais promovidos pela prefeitura. Chegamos a uma triste conclusão: nosso projeto, muito provavelmente, não se encaixava no tipo de projeto que a Prefeitura normalmente financiava. Os projetos aprovados nos anos anteriores pareciam muito mais focados em divulgar a cultura mineira do que em desenvolver a produção de obras culturais em minas gerais. Jogos que tinham por objetivo divulgar elementos culturais e turísticos de Minas pareciam ser favorecidos pelas bancas avaliadoras. E nosso projeto, apesar de ser uma produção cultural feita em Minas Gerais, parecia profundamente destoante, em temática, dos projetos aprovados nos anos anteriores – e até dos outros projetos que estavam sendo submetidos naquele ano. 

À princípio, isso veio como um balde de água fria. Entristecemos e desanimamos. Estávamos certos de que não conseguiríamos ajuda do governo, e isso nos deixava com duas opções: desenvolver com poucos recursos, ou tentar recursos da iniciativa privada. Particularmente, eu odeio a ideia de financiamento privado. Ter que trabalhar para maximizar shareholder value é um dos meus pesadelos recorrentes. Ver uma ideia pura se corromper diante da pressão por monetização é algo que me desanima profundamente. Mas, a menos que alguém ganhasse na loteria, eram essas as aparentes opções.

E aí, Renault perguntou pra gente: porque não trazemos elementos da cultura brasileira e mineira para esse jogo? Porque o jogo precisa ter essa estética eurocêntrica que tanto acostumamos a ver em jogos de RPG? Porque não criamos um jogo em que a arquitetura é fortemente inspirada na arquitetura de um Brasil indígena, colonial, neoclássico, trazendo prédios e monumentos famosos do Brasil, elementos musicais e culturais brasileiros e mineiros, e personagens com muito mais brasilidade do que os que tínhamos em mente, originalmente?

Confesso que esse questionamento me pegou de surpresa. Eu não sabia nem responder, exatamente, o que eu esperaria de uma estética de um RPG inspirado em elementos brasileiros. Se seguíssemos esse caminho, teríamos basicamente que inaugurar um novo gênero estético para RPGs. A estrutura original da história poderia permanecer inalterada, mas os personagens teriam que ser todos repensados. Afinal, não dá pra falar de um jogo inspirado nas brasilidades com personagens tão tipicamente eurocêntricos. Teríamos que repensar os ambientes, para trazer mais elementos dos biomas brasileiros e da arquitetura brasileira. Teríamos que reconstruir os diálogos e as histórias, para trazer elementos da cultura e dos costumes brasileiros. Alguns dos assets que fizemos talvez já não se encaixassem mais na nova estética (tínhamos recém-iniciado a produção de prédios e casas ao estilo steampunk). De muitas formas, seria o equivalente a apertar um botão de reset na pré-produção do jogo. De outras, nem tanto.

Conversamos. Muito. Decidimos que o desafio era bom demais pra deixar passar. E, no final das contas, o Brasil era um país interessante, bonito e rico demais em cultura para deixarmos de explorar. Essa seria potencialmente uma grande oportunidade – não somente de podermos participar dos editais dos governos municipal, estadual e federal, mas também de conseguirmos inaugurar um novo gênero estético para os RPGs. Isso deixaria de ser encarado como um impedimento ao nosso fomento, e se tornaria potencialmente o nosso maior diferencial competitivo em um mercado saturado. Recomeçamos.

O roteiro que tínhamos foi aposentado. Alguns dos assets também. Os poucos experimentos de gameplay que tínhamos feito permaneceriam inalterados, então salvamos um pouco do prejuízo. Acredito que essa decisão tenha nos atrasado pelo menos pela boa parte de um ano.

Mas agora, oficialmente, estamos confortáveis em fazer nosso primeiro anúncio público de Aluanda. 

Com um nome fortemente inspirado pelo idioma Iorubá, Aluanda é o nosso primeiro título. É um Open World RPG, esperançosamente multiplayer mas potencialmente singleplayer (otimistas com uma pitada de realismo), fortemente inspirado em elementos da cultura, arte e estética brasileira. Com visão top-down e batalhas realtime emocionantes, estamos construindo um universo impressionantemente rico em mitologia, cultura, história e magia.

No nosso prólogo, você vai acompanhar a história dos três irmãos: Asta, Uriel e Rudá. Você vai se emocionar com os personagens e suas histórias, se envolver com o gameplay e as mecânicas de evolução do jogo e experimentar uma estética nunca antes executada em um título do gênero.

Nas próximas semanas, vamos compartilhar pedaços da história de Aluanda, da arte conceitual e alguns assets que já estamos desenvolvendo. Vamos tentar manter um devlog atualizado e compartilhar com vocês os detalhes técnicos dos desafios que estamos enfrentando nessa jornada. Você poderá vivenciar com a gente os nossos desafios aqui no Itch.io, no nosso blog ou diretamente no nosso Discord. Junte-se a nós nessa aventura de RPG, de GameDev, de programação, arte, técnica e gestão.

  • Naroga

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